quarta-feira

O que é permitido falar?

Com esse negócio de "politicamente correto", cada vez pode-se falar menos. A situação está russa. Epa! Será que, ao dizer isso, estarei cometendo uma injúria ao povo russo? (Se bem que parece que o termo correto é "ruça", que seria algo como "enevoada, grisalha, desbotada".) 


Na língua inglesa, há uma expressão corrente: "chink in the armor", que poderia ser traduzida como "fissura na armadura". No outro dia, a ESPN utilizou a expressão em relação ao time de basquete do asiático-americano Jeremy Lin, de origem chinesa. Bem, o que ocorre é que "chink" também é uma expressão pejorativa para chineses! Portanto, houve grande tumulto, e a ESPN teve que se retratar. O responsável pela manchete foi demitido, e nem ser casado com asiática o salvou. Em virtude do caso, a Associação dos Jornalistas Asiático-Americanos publicou uma lista de palavras e expressões ofensivas aos asiáticos que deveriam ser evitadas. Além de "chink", não dá mais para dizer "Me love you Lin time"! Nem mencionar os "biscoitos da sorte" chineses em relação ao jogador!


Alguns anos atrás, nos mesmos EUA, um político causou furor ao utilizar a expressão "niggardly", que nada tem a ver com os negros (significa "pão-duro" mesmo), mas foi punido por mera homofonia!

Mas não é só nos EUA que estão todos ficando loucos, afinal por aqui isso era de se esperar. Na Inglaterra, um inglês foi preso por uma hora no aeroporto acusado de "racismo", simplesmente por ter perguntado ao funcionário se poderia passar sem ser revistado igual à moça de burka que passara à sua frente...

O que será que é permitido falar, hoje em dia?

No Brasil, dois casos chamam a atenção. O primeiro é a ridícula tentativa de retirar o dicionário Houaiss das prateleiras por "racismo", pelo fato da expressão "cigano" ter, segundo o dicionário, um significado pejorativo de "velhaco, trapaceiro". E agora? Vão cair fora também as palavras "judiar", "ladino", "denegrir"? Por outro lado, podem até existir ciganos trapaceiros, mas confesso que jamais vi ninguém chamar um não-cigano de "cigano" em tom ofensivo. A única expressão que conheço de "cigano" aplicável a não-ciganos é no sentido de alguém meio nômade, que viaja muito sem ocupação certa. Mas não me parece ter sentido pejorativo.

O outro caso é o que envolve o jornalista Paulo Henrique Amorim, acusado de racismo por ter se referido a um jornalista rival como "negro de alma branca". É hilariante ver a briga que está ocorrendo por causa disso! Bem, embora não goste do seu "jornalismo marrom" (epa! racismo contra os mulatos?), vou defender o PHA aqui. O que há de tão pejorativo em "negro de alma branca"? Se fosse um "negro de alma negra" seria melhor? Vinicius de Moraes definiu-se mais de uma vez como um "branco de alma negra", mas não lembro que tenha sido acusado de racismo. Eram outros tempos, é claro. Hoje provavelmente sentariam o pau no poetinha!

O que é um "negro de alma branca"? Ora, a expressão é claramente metafórica, já que alma não tem cor. Significa alguém da raça negra que se comporta como brancos, ou que quer imitar o comportamento dos brancos. Pode ser elogiosa ou negativa, de acordo com a ênfase dada, embora é certo que, mesmo quando elogiosa, parece sugerir que o "branco" seria algo positivo e o "negro" algo negativo, e é isso o que parece incomodar na expressão. É um pouco como os negros americanos conservadores ou que convivem com brancos, que vez por outra são chamados de "Uncle Tom". Sempre me pareceu uma acusação algo ridícula. O próprio Bill Cosby fala isso: os negros que estudam são acusados por alguns outros negros de estarem "atuando como brancos"; mas, segue Cosby, se "atuar como branco" é estudar, o que isso está dizendo sobre "atuar como negro"? Quem será que é mais racista, no fim das cotas? Ops, contas... Lapso verbal, perdão!

O Sakamoto não escreveu sobre o assunto, mas um outro esquerdista popular nas paradas, o Idelber, tem um longuíssimo post sobre o tema. Tão longo que não consegui ler todo. Ele garante que PHA foi racista sim, e que no fim das contas "todos somos racistas", mesmo quando somos bem intencionados e queremos elogiar. Aí ele fala uma coisa assim:

Essa estratégia de usar negros que estejam dispostos a falar mal e ir contra lutas históricas dos movimentos negros é antiga nos EUA. Veja o espaço cedido por veículos de extrema direita, como Fox News, a intelectuais negros representativos como Thomas Sowell ou Walter Williams, que também já começam a ser louvados e cada vez mais citados no Brasil. Essa técnica de usar negros para ir contra os interesses dos próprios negros, ou de usar negros para atestar a ideneidade de um branco em um processo contra um negro, como fez Jair Bolsonaro, que convocou o cunhado negro para depor a seu favor e contra Preta Gil.

O negrito (termo racista?) é meu. Fox News "extrema direita"? Idelber está mal informado. Bem, quanto ao segundo ponto, sempre achei estranha essa reclamação. Thomas Sowell é ótimo, prefiro ele a muitos brancos idiotas. Por que os negros conservadores estariam "agindo contra os interesses dos negros"? Pareceria o contrário, que estão agindo a favor, tentando melhorar a sua imagem, quase sempre relacionada a pessoas encostadas no welfare ou vivendo no crime. Se o sujeito negro diz para os negros estudarem, trabalharem e cuidarem da família, ele vira "racista" ou "contrário aos interesses dos negros"? Mas quais seriam os interesses dos negros então? Será que a melhor saída para os negros não seria mesmo a de imitarem os brancos, na medida do possível (dos brancos bem comportados, não do "white trash")? Ou, vá lá, os asiáticos, ainda que eu nunca tenha escutado a frase "negro de alma amarela", que seria provavelmente ofensiva tanto a uns quanto a outros.

Bem, dito isso, existe o outro extremo, de pessoas que realmente vão além do tolerável. No outro dia uma compositora asiática-americana se ofendeu por que um outro artista negro comentou no Twitter que "a única razão pela qual Jeremy Lin é famoso é por ser chinês, pois há muitos negros que jogam melhor." O que de certa forma é verdade, o único motivo para todos falarem sobre o sujeito, ou seja, sua única novidade, é o fato de que ele é chinês em um esporte no qual eles são raros! Mas aí, ofendida com o comentário, a coreana (nem de origem chinesa ela é) saiu dando twittadas absurdas, começando com chamar o outro de macaco e terminando por pregar um holocausto racial! Terminou internada em um hospital por transtorno bipolar, ou ao menos foi o que afirmaram seus produtores. No Brasil, com as leis atuais, provavelmente pegaria prisão perpétua...

Pessoalmente, acho esse tipo de linguagem extrema de mau gosto, e é o motivo pelo qual comecei a moderar o blog e até pensei (penso?) em acabar com ele. Mesmo sendo contra o politicamente correto e contrário a qualquer lei "anti-racismo", acho que existe uma coisa chamada bom senso e civilidade, bem como limites da própria ética. Por exemplo, nos EUA, recentemente, um site da "direita alternativa" americana pregou o extermínio dos negros, em um artigo vil e nojento. Um outro site conhecido costuma publicar textos que pregam o extermínio de judeus. São coisas nojentas e absurdas! Merecem o repúdio de toda pessoa de bem.

Por outro lado, mais de uma vez esquerdistas brancos falam mal da raça branca como um todo, e não lembro que tenham sido punidos. O que parece é que, de acordo com as leis politicamente corretas, quem é membro de uma certa raça pode fazer comentários negativos sobre esta. Por exemplo, Chris Brown e David Chapelle fazem piada com os estereótipos sobre negros: ele podem, por serem negros. Bill Cosby mais de uma vez criticou de forma inteligente o comportamento dos negros americanos, é verdade que levou chumbo por causa disso, mas se um branco falasse o que ele falou seria linchado. Uma estudante americana, Alexandra Wallace, criticou ligeiramente seus colegas asiáticos em um vídeo e sofreu tanta perseguição que terminou tendo que abandonar (voluntariamente, devido à pressão) os estudos. Mas são bem comuns os vídeos de asiáticos ironizando-se a si mesmos. Aí pode!

Bem, mas talvez essa seja uma reação natural: da mesma forma nós brasileiros vivemos reclamando do Brasil e dos brasileiros, mas aí se algum estrangeiro vem e faz alguma crítica, ainda que merecida, em geral reagimos com ódio e inusitado patriotismo: "Como esse argentino/português/grego se permite nos insultar?" 

No mais, acho que o resumo de tudo é o seguinte, há uma diferença enorme entre você pregar o genocídio racial ou usar expressões vulgares e insultuosas, e utilizar um expressão coloquial de duplo sentido mais amena como "chink in the armor", "cigano", ou mesmo "negro de alma branca", que pode até ser ofensiva para alguns, mas convenhamos, existem coisas bem piores. No Sul do Brasil, o doce "brigadeiro" ainda é chamado por muitos de "negrinho", a patrulha ideológica ainda não proibiu. Porém, um conhecido gaúcho uma vez foi para a Bahia e quando estava em um bar falou em voz alta: "Mas bá, que vontade de comer um negrinho!" O pobre infeliz quase foi linchado, acusado de pedofilia gay interracial!

Bem, fora esses lamentáveis incidentes, temo que a utopia de tornar o mundo um lugar "sem racismo" está tendo o efeito contrário, criando um mundo cheio de racismo. Quanto mais policiamento, mais ressentimento. Não tenho dúvidas que, em algumas décadas, serão todos racistas contra todos! E não apenas em palavras, mas provavelmente em atos. Será o lamentável fim do paraíso multicultural! 




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