sexta-feira

“Minas não há mais”, como disse o poeta. Os tucanos têm de respeitar o Brasil que eles mesmos mudaram

Políticos precisam saber ler o momento. FHC soube fazê-lo em 1994  — na verdade, um pouco antes, com o Plano Real. Luiz Inácio Lula da Silva e seu PT achavam que o povo brasileiro já não agüentava mais as “injustiças históricas” dos manuais da Fefeléchi, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, que tem mais esquerdistas do que Havana. Besteira! Ele estava com o saco cheio da inflação. Debelada, entraram no mercado alguns milhões de consumidores, que passarão a ter uma vida estável e previsível. Com a economia arrumada, um desarranjo que vinha de muitos anos, Lula pôde falar em esperança. Ele não alcançou o poder vendendo luta de classes, mas integração de classes. Era chegada a hora do pobre, das massas etc. À sua maneira, foi um movimento conservador da ordem, para desagrado da extrema esquerda. “Então por que você, que é conservador, Reinaldo, não é petista?” Porque sou um democrata, e os petistas não são. Mas isso é pra outro texto.
FHC soube ler o momento: o povo gostou da economia estável. Lula soube ler o momento: era chegada a hora das massas. E, com efeito, setores da sociedade antes menos atentos ao processo político sentiram-se representados por aquele que seria “um dos nossos” (deles). É claro que as coisas não são bem assim, mas política também tem seus símbolos. E essa massa que Lula trouxe para lutar contra “eles” (os adversários do PT) veio para ficar. Não quer dizer que ela seja sempre petista, não. Aliás, essencialmente, ela não é, mas está. Entrou no processo embalada por Lula, mas não é necessariamente fiel a seu partido.
Os esquerdistas do PT sabem disso, daí que sintam a necessidade de manter a população permanentemente “mobilizada”. Um certo receio que alimentam em relação a Dilma é sua dificuldade de lançar causas em penca, como fazia seu antecessor. Ela não é bem desse ramo. Se seu governo quase clandestino é bom para a relação com a imprensa, há o risco de que seja um tanto desmobilizador. É POR ISSO QUE LULA, NÃO DEMORA, VOLTA A PARTICIPAR ATIVAMENTE DO JOGO. Essa massa que entrou no processo político, ATENÇÃO!, é bem mais conservadora do que os articulistas dos jornais. Em muitos casos — nos valores, por exemplo —, os “progressistas” dizem que ela é até reacionária, coitada!
O PT, se vocês notarem, fala a linguagem do conservadorismo há três eleições — o “progressista” perdia uma eleição atrás da outra. Se, em 2002, Lula pregava a esperança e a integração de classes, em 2006 e em 2010, a metafísica política estava em comprar geladeira. Foram as eleições dos consumidores. O PSDB deixou que o petismo lhe roubasse a bandeira do “conservadorismo” em economia. E tem um medo brutal de DIALOGAR com os valores, também conservadores, dessa mesma massa. Simbolicamente, eu diria até que Lula encarna mais o “homem família” do que seus adversários tucanos.
A economia vai dar alguns solavancos. As oposições terão de responder a isso, de partir para o debate e tal. Mas não existem soluções mágicas. Se o povo puder consumir num ritmo razoável, vai ficar de bem com o governo; se a coisa degringolar, fica de mal, e, nesse caso, fazer oposição fica mais fácil. De qualquer modo, permanece a questão: qual é a mensagem?
Escrevi ontem mais de 30 posts acho. Boa parte deles foi para descer o porrete nas oposições. Uma coisa particularmente irritante está de volta à linguagem política, repetindo erros que já duram três eleições: a tentativa de se fazer uma espécie de guerra entre Minas e São Paulo. Vocês sabem que repudio, ao escrever, o “empatismo”, né? Aquele troço de “todo mundo é culpado” — e, então, ninguém é. O fato é que não se vê deputado, senador ou governador paulistas dizendo “São Paulo pensa isso, São Paulo quer aquilo, os paulistas pensam que…”  Nem ficaria bem. Considerariam arrogância. Mas políticos de Minas, não todos, claro, por alguma razão metafísica, acreditam mesmo que exista um estado mental chamado “Minas”.
O confronto com São Paulo virou peça de resistência da política mineira. Assim, “Minas” não disputou a Presidência, embora Dilma seja de lá, porque “São Paulo não deixou”. O deputado Paulo Abi-Ackel chegou a dizer ontem que o estado “respeita Serra” — ou algo assim. Jura?
Sabem o que tenho a dizer? Isso ficou velho! Essa história morreu com as duas eleições de FHC e com as três eleições do PT. Há novos atores na política. Não há mais espaço para isso. E ouso dizer que, por aí, Aécio não será presidente da República ainda que venha a ser o candidato do PSDB. O Brasil não está disposto a ser governado por “Minas”, ainda que possa ser, como é, governado por um mineiro.  O eleitor que está aí é o novo pobre consumidor — que emergiu não com Lula, mas com o Plano Real. O que o lulismo fez foi lhe conferir uma identidade. E o tem perto de si.
Se a economia for para breca pra valer, dá para eleger até um orangotango. Todos os absolutos são relativos no caos. Se as coisas estiverem mais ou menos arrumadas, as oposições precisam aprender a falar com essa sociedade de consumidores, que paga impostos, que quer subir na vida e que, atenção!, tem valores. E são valores CONSERVADORES, o que deixa arrepiados os articulistas progressistas!
Alguns bobões acham que não quero Aécio presidente ou sei lá o quê. Não interessa o que quero ou deixo de querer. O que estou dizendo é que uma articulação com essas características nasce velha, destinada ao insucesso. Sua virtude e alcance  são e serão sempre locais. Sem contar que expõe seus promotores ao contra-ataque, não é? De repente começa uma onda que Aécio não gosta de São Paulo, por exemplo… Pode durar pouco porque não vejo este estado se ocupando dessas coisas, mas poderia ser fatal.
Não sei quem será o candidato do PSDB à Presidência — Serra, Aécio ou J. Pinto Fernandes, para lembrar um poema do mineiro Drummond. Seja quem for, uma coisa é certa: a cafonice política do regionalismo, por antiga, condenará o postulante ao desastre. Os três últimos presidentes — FHC, Lula e Dilma — são figuras dotadas, digamos, de certa transversalidade, que atravessam fronteiras, em vez de estabelecê-las; sua identidade — o intelectual, o operário e a mulher — servia para furar camadas, para romper nichos, não para criar linhas divisórias. E ISSO É BEM MAIS IMPORTANTE DO QUE PARECE.
Aécio pode ser presidente? Claro que sim! Mas vai ter de mudar de discurso e de prática. Seduzir “Minas ” e a imprensa não significa seduzir o eleitorado brasileiro. Ele poderia até vencer Serra no embate interno, e isso não faria dele o presidente. Para governar o Brasil, é preciso vencer o PT. Curiosamente, ainda que eu deteste boa parte das coIsas que o petismo faz, e eu detesto (e todos sabem o que penso deles), os petistas têm um entendimento da moderna sociedade brasileira bem mais complexo do que boa parte dos tucanos. Hora de acordar. A patuscada tucana de quarta-feira deixou claro que essa gente precisa voltar a estudar o Brasil. Ninguém será eleito na base do charme e simpatia, não é mesmo, Dilma?

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