O piromaníaco nesta história não é um jovem beneficiário do estado de bem-estar social europeu demonstrando sua insatisfação com aquilo que, de acordo com suas crenças e valores, o resto do mundo estaria obrigado a lhe prover. O piromaníaco em questão chama-se David Hine, um escritor de quadrinhos de origem britânica que trabalha para a DC Comics. Hine foi capaz de inflamar tanto blogs americanos conservadores quanto blogs franceses de todas as tendências com a criação dum novo super-herói, companheiro de Batman na luta contra a criminalidade urbana em Paris. Seu nome? Nightrunner, justiceiro e vigilante francês de origem muçulmana e argelina. O toque de ironia nesta estória é dado pelo fato de que Batman já tenha sido uma vez conhecido pelo codinome de “cruzado encapotado” (“caped crusader”).
A história foi apresentada no recente fascículo “Detective Comics Annual #12”. Filho duma zelosa muçulmana, imigrante argelina e mãe solteira, Bilal Asselah descobre possuir excepcionais poderes na arte de <>emparkour. Após eventos traumáticos durante os quais um de seus amigos foi morto em conflito com a polícia, Bilal decide tornar-se um justiceiro. O resto é óbvio demais e não necessita descrição.
A criação de Hine foi criticada por conservadores americanos e franceses bem como por socialistas e muçulmanos, ou seja, Hine conseguiu a façanha de não agradar a quase ninguém, com uma exceção óbvia: os membros do movimento politicamente correto americano. A história seria irrelevante se não fosse sintomática do estado de decadência intelectual da forma de pensar dominante contemporânea, particularmente nos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. Neste sentido, é importante entender o fenômeno. Vamos então por partes.
Cada grupo revela em sua crítica à Nightrunner seu próprio viés. Conservadores americanos criticam o que consideram ser a glorificação do Islã, daqueles que estariam contribuindo para a decadência dos valores ocidentais e dos quais a Europa “branca” teria se permitido tornar vítima. Demonstram um desconhecimento profundo não apenas do que se passa em países estrangeiros, mas também do que se passa no seu próprio país. Conservadores franceses por sua vez mostram seu lado nativista e às vezes racista ao considerar o personagem indigno de representar um super-herói francês, dando mais uma vez prova da grande diferença que existe entre conservadorismo e liberalismo. Socialistas veem o personagem como um alienado político que menospreza o movimento das minorias oprimidas em seu individualismo autista. E os muçulmanos mais radicais o consideram um entreguista pró-ocidental, traidor da sua própria religião.
Aqueles que não veem problemas no personagem, como o próprio Hine, são os defensores extremados do movimento politicamente correto e do chamado multiculturalismo. Esse movimento já pode ser caracterizado como parte integral da ideologia dominante na academia americana, sendo muito importante também no Canadá e na Inglaterra, entre outros países. Estudantes saem das universidades amplamente doutrinados por esta forma de pensar, dando origem a artistas como David Hine, que se tornam cada vez mais lugar comum no discurso público, particularmente nos países citados.
Hine, em opinião compartilhada com o Departamento de Estado americano de acordo com documentos recentemente vazados pelo WikiLeaks, afirma que “o descontentamento urbano e os problemas das minorias étnicas sob o governo Sarkozy dominam as notícias vindas da França, tornando-se inevitável que o herói tenha origem franco-argelinas.” Hine, banhado na mesma profunda ignorância demonstrada pela maior parte da imprensa americana e às vezes britânica nesta matéria, atribui ao descontentamento racial o que nunca passou de disputas pelo controle do comércio de drogas ilegais ou de tentativas de extração de rendas do sistema de bem-estar social francês. Vemos aqui um inglês, de forma fantasiosa e reflexiva, aplicar o filtro politicamente correto de Londonistão aos problemas bastante diferentes do republicanismo francês. De qualquer modo, seria interessante imaginar qual teria sido a reação do público inglês caso Nightrunner tivesse sido apresentado ao mundo como filho duma mãe solteira bangladeshiana e morador de Bethnal Green.
Quem conhece Batman compreende facilmente o escorregão de David Hine. Batman é um justiceiro. Trata-se provavelmente do mais interessante personagem já criado no universo das histórias em quadrinhos, por motivos que em geral são de interesse dos liberais. Batman não possui nenhum superpoder inato ou adquirido por acidente, com a exceção da riqueza material e da curta educação que recebeu como herança de seus pais, assassinados brutalmente perante seus olhos enquanto criança. Obcecado, mostra claros sinais de desequilíbrio mental, mas ainda assim consegue conter o ódio que o consome, mesmo que à custa dum esforço moral e meditativo descomunal. Batman é o puro exemplo do mérito como única forma satisfatória de redenção, um “self-made man” que não apenas manteve como ampliou a fortuna de sua família, que teria adquirido capacidades excepcionais por força da sua inteligência, disciplina, treino e boa administração dos recursos econômicos e intelectuais colocados à sua disposição.
Batman normalmente respeita as leis, mas não quando estas entram em conflito com seus valores morais, pois, não lhe restam dúvidas: seus valores estão acima dos valores do corrupto mundo da política e do crime que o cercam e sufocam. Ignorantes políticos já o descreveram como fascista ou alienado burguês, quando talvez ele seja nada mais nada menos que o personagem de quadrinhos mais objetivista jamais criado. Afinal, Batman não combate o crime tendo em vista o bem comum; ele o faz apenas porque é no embate contra o mal onde encontra paz interior. Batman acredita apenas na superação individual das dificuldades ambientais. Nenhum super-herói, portanto, abominaria com mais firmeza o movimento politicamente correto e multiculturalista defendido por Hine que Batman.
Bilal Asselah ou Nightrunner poderia ter sido um combatente digno da companhia de Batman se tivesse sido criado nos seus mesmos moldes morais, mas com origens humildes, independentemente de cor de pele ou crença religiosa. Ao apresentá-lo, porém, como vítima das políticas de Sarkozy (qual seja o significado desta afirmação) e das “dificuldades” enfrentadas pelas minorias étnicas que na verdade vivem sob a tutela do generoso estado de bem-estar francês, David Hine brincou com fogo e se queimou. Seu pseudo-herói simplesmente não tem credibilidade moral para se materializar. Ainda assim, quando até mesmo ícones individualistas como Batman são desvirtuados de forma tão grotesca pelo pensamento político dominante em alguns dos países mais influentes, temos uma indicação de como e onde serão travadas as grandes batalhas culturais daqueles que lutam pela manutenção dos valores liberais nas décadas que virão.
Via OrdemLivre.org
A história foi apresentada no recente fascículo “Detective Comics Annual #12”. Filho duma zelosa muçulmana, imigrante argelina e mãe solteira, Bilal Asselah descobre possuir excepcionais poderes na arte de <>emparkour. Após eventos traumáticos durante os quais um de seus amigos foi morto em conflito com a polícia, Bilal decide tornar-se um justiceiro. O resto é óbvio demais e não necessita descrição.
A criação de Hine foi criticada por conservadores americanos e franceses bem como por socialistas e muçulmanos, ou seja, Hine conseguiu a façanha de não agradar a quase ninguém, com uma exceção óbvia: os membros do movimento politicamente correto americano. A história seria irrelevante se não fosse sintomática do estado de decadência intelectual da forma de pensar dominante contemporânea, particularmente nos Estados Unidos, Canadá e Inglaterra. Neste sentido, é importante entender o fenômeno. Vamos então por partes.
Cada grupo revela em sua crítica à Nightrunner seu próprio viés. Conservadores americanos criticam o que consideram ser a glorificação do Islã, daqueles que estariam contribuindo para a decadência dos valores ocidentais e dos quais a Europa “branca” teria se permitido tornar vítima. Demonstram um desconhecimento profundo não apenas do que se passa em países estrangeiros, mas também do que se passa no seu próprio país. Conservadores franceses por sua vez mostram seu lado nativista e às vezes racista ao considerar o personagem indigno de representar um super-herói francês, dando mais uma vez prova da grande diferença que existe entre conservadorismo e liberalismo. Socialistas veem o personagem como um alienado político que menospreza o movimento das minorias oprimidas em seu individualismo autista. E os muçulmanos mais radicais o consideram um entreguista pró-ocidental, traidor da sua própria religião.
Aqueles que não veem problemas no personagem, como o próprio Hine, são os defensores extremados do movimento politicamente correto e do chamado multiculturalismo. Esse movimento já pode ser caracterizado como parte integral da ideologia dominante na academia americana, sendo muito importante também no Canadá e na Inglaterra, entre outros países. Estudantes saem das universidades amplamente doutrinados por esta forma de pensar, dando origem a artistas como David Hine, que se tornam cada vez mais lugar comum no discurso público, particularmente nos países citados.
Hine, em opinião compartilhada com o Departamento de Estado americano de acordo com documentos recentemente vazados pelo WikiLeaks, afirma que “o descontentamento urbano e os problemas das minorias étnicas sob o governo Sarkozy dominam as notícias vindas da França, tornando-se inevitável que o herói tenha origem franco-argelinas.” Hine, banhado na mesma profunda ignorância demonstrada pela maior parte da imprensa americana e às vezes britânica nesta matéria, atribui ao descontentamento racial o que nunca passou de disputas pelo controle do comércio de drogas ilegais ou de tentativas de extração de rendas do sistema de bem-estar social francês. Vemos aqui um inglês, de forma fantasiosa e reflexiva, aplicar o filtro politicamente correto de Londonistão aos problemas bastante diferentes do republicanismo francês. De qualquer modo, seria interessante imaginar qual teria sido a reação do público inglês caso Nightrunner tivesse sido apresentado ao mundo como filho duma mãe solteira bangladeshiana e morador de Bethnal Green.
Quem conhece Batman compreende facilmente o escorregão de David Hine. Batman é um justiceiro. Trata-se provavelmente do mais interessante personagem já criado no universo das histórias em quadrinhos, por motivos que em geral são de interesse dos liberais. Batman não possui nenhum superpoder inato ou adquirido por acidente, com a exceção da riqueza material e da curta educação que recebeu como herança de seus pais, assassinados brutalmente perante seus olhos enquanto criança. Obcecado, mostra claros sinais de desequilíbrio mental, mas ainda assim consegue conter o ódio que o consome, mesmo que à custa dum esforço moral e meditativo descomunal. Batman é o puro exemplo do mérito como única forma satisfatória de redenção, um “self-made man” que não apenas manteve como ampliou a fortuna de sua família, que teria adquirido capacidades excepcionais por força da sua inteligência, disciplina, treino e boa administração dos recursos econômicos e intelectuais colocados à sua disposição.
Batman normalmente respeita as leis, mas não quando estas entram em conflito com seus valores morais, pois, não lhe restam dúvidas: seus valores estão acima dos valores do corrupto mundo da política e do crime que o cercam e sufocam. Ignorantes políticos já o descreveram como fascista ou alienado burguês, quando talvez ele seja nada mais nada menos que o personagem de quadrinhos mais objetivista jamais criado. Afinal, Batman não combate o crime tendo em vista o bem comum; ele o faz apenas porque é no embate contra o mal onde encontra paz interior. Batman acredita apenas na superação individual das dificuldades ambientais. Nenhum super-herói, portanto, abominaria com mais firmeza o movimento politicamente correto e multiculturalista defendido por Hine que Batman.
Bilal Asselah ou Nightrunner poderia ter sido um combatente digno da companhia de Batman se tivesse sido criado nos seus mesmos moldes morais, mas com origens humildes, independentemente de cor de pele ou crença religiosa. Ao apresentá-lo, porém, como vítima das políticas de Sarkozy (qual seja o significado desta afirmação) e das “dificuldades” enfrentadas pelas minorias étnicas que na verdade vivem sob a tutela do generoso estado de bem-estar francês, David Hine brincou com fogo e se queimou. Seu pseudo-herói simplesmente não tem credibilidade moral para se materializar. Ainda assim, quando até mesmo ícones individualistas como Batman são desvirtuados de forma tão grotesca pelo pensamento político dominante em alguns dos países mais influentes, temos uma indicação de como e onde serão travadas as grandes batalhas culturais daqueles que lutam pela manutenção dos valores liberais nas décadas que virão.
Via OrdemLivre.org
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